Perdemos a Copa do Mundo

Flávia Lippi
3 min readDec 9, 2022

Talvez você esteja perdendo uma Copa do Mundo por dia e nem sabe.

Sei que você vai dizer que agora todo mundo vai falar dos ensinamentos de se perder uma Copa do Mundo, falar sobre liderança, sobre times e sobre acertos e erros.

Bom, perder ou ganhar é sobre isso também, não é?

Na verdade, eu quero dizer que enquanto o Brasil perdia a Copa do Mundo, eu estava em frangalhos assimilando as perdas das populações descriminadas e esquecidas do Brasil.

Dia 29 de novembro, embarquei com minha família, uma pequena equipe de profissionais na área de saúde mental e todo o apoio de Antônia Fróes, coordenadora do Projeto Girassóis na Amazônia.

Por ser um grupo de apoio voluntário, trabalhamos em parceria com a Prefeitura Municipal de Boa Vista do Ramos e suas Secretarias de Educação, Saúde, Assistência Social, Cultura e Turismo, e Juventude e Desporto, bem como com o apoio do Governo do Estado do Amazonas através da Emenda Parlamentar apresentada pela Deputada Estadual Alessandra Campelo, tendo como unidade gestora a Secretaria de Estado de Educação e Desporto — SEDUC-AM, o que nos possibilitou a realização das ações do Projeto Viva a Vida nesse ano de 2022.

É uma ação de acolhimento e cuidado, que tem como principal objetivo atingir diretamente a problemática da ideação suicida, da depressão e da desvalorização da vida na infância, na adolescência e juventude.

Cheguei cheia de energia, pronta para mudar o mundo. Como sempre, um misto de sonho, desejo, realidade e surpresa. Sempre acho possível mudar o mundo que não queremos para um mundo melhor para todos.

Foram mais de 10.000 km percorridos, entre avião, lancha, barco, hidroavião, teco teco, e até caminhadas a pé.

Todas as vezes que ouvia uma dor, um sonho, um pedido de socorro, toda vez que via uma lágrima de tristeza ou alegria, ou uma mão na barriga de fome, eu sabia que estávamos perdendo uma Copa.

Apesar do sucesso e cumprimento de nossa meta, de ter orgulho das pessoas, como Antônia, que criaram o projeto, eu não me sentia inteira — mesmo sabendo que estava fazendo uma grande parte.

Decidimos continuar o projeto na população indígena. A convite da guerreira Cacica, Lutana Kokama, fomos atender as 35 etnias que moram no Parque das Tribos, em Manaus. O parque é liderado por mulheres, e o olhar para saúde e estrutura básica me lembra o olhar de uma grande mãe. Ainda vou escrever também sobre essa experiência. Mas hoje quero continuar falando sobre a Copa do Mundo que perdemos todo dia.

No Parque das Tribos, você não vê mata, rios caudalosos, animais soltos ou famílias originárias nos recebendo. Você vê humanos sofrendo. Sem infraestrutura básica, o esgoto a céu aberto, erosão, acúmulo de lixo, saúde precária, fome, extrema pobreza: você vê o Brasil sendo morto e, no colo dessas guerreiras, os fios de lembrança do povo brasileiro.

O sorriso foi nossa ligação a todo instante. Levamos mais que saúde mental e algumas consultas emergenciais; o desejo profundo de não desamparar.

A Copa do Mundo estava tão distante para mim que a única coisa que conseguia pensar é que o objetivo primordial de qualquer pessoa preocupada com o bem-estar alheio deveria ser o de aumentar a renda total de cada indivíduo, e não reduzir as diferenças de renda entre cada indivíduo.

Mas se essas pessoas não conseguem trabalhar, não têm educação básica, perderam suas heranças culturais, como podemos fazer com que nosso povo originário, nossa base DNA, possa resistir às perdas constantes de nossa empatia?

O Brasil perdeu a Copa do Mundo no dia que tirou o chão dos indígenas e não se preocupou em nenhum momento em transformá-los em estatística.

Ainda sem chão, não choro pela Seleção, não. Estou aqui enxugando as lágrimas pelo meu povo e já encontrando caminhos para aumentar a renda — e claro, chamar a atenção para Amazônia.

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Flávia Lippi

Biohacker👽Real/Human/Soft skills🍀Otimização Corpo-Mente-Carreira · Brain Training · Neurociência‍♀️Gestão Emocional · Mediação de Conflito